Não sei, só sei que foi assim:
O ano é 1897. Faz um calor infernal na cidade de Araraquara, principalmente dentro da pequena cela da cadeia municipal, localizada em frente à Igreja Matriz de São Bento. Os dois ilustres ocupantes suam temerosos. E têm motivos para isso.
O sergipano Rozendo de Sousa Brito havia assassinado alguém. Não se tratava de pessoa qualquer. Assassinara um coronel. Coronel Antônio Joaquim de Carvalho era pessoa importante na cidade e certamente seus familiares e amigos estavam planejando algum tipo de vingança maligna. Era isso que passava na cabeça do rapaz. Manuel de Sousa Brito, tio de Rozendo, acusado de cúmplice em tal contenda, tenta acalmar o sobrinho. Tarefa difícil pois ele está se borrando por dentro.
O silêncio era de morte. De repente os dois têm um sobressalto e se viram bruscamente em direção à porta do cubículo (soa um acorde de mi menor). Alívio. Era só aquele ratinho preto que dividia a cela com os infratores. O roedor havia entornado o pequeno prato de comida que tinha sido rejeitado pelos Britos e doado ao pequeno animal que agora se encontrava coberto de mingau.
Rozendo estava, pela terceira vez, contando o número de barras de metal que o proibia à liberdade das ruas da cidade quando escuta um estrondo enorme. O sangue dos dois detentos ferve. Uma música enérgica começa a tocar de fundo. Três? Vinte? Sessenta pessoas? Nessa hora é difícil raciocinar, mas um bando de pessoas barulhentas domina a cadeia e parte violentamente em direção aos ilustres prisioneiros. Os dois sabiam o final da história. Já haviam mentalmente imaginado como seria. Em seu sonho, Manuel previa que um forte negro segurando um cabo grosso de machado quebraria o cadeado da cela com um golpe rápido e… zapt, o negão acabava de quebrá-lo. Manuel sorri constrangido, imaginando se não teria alguns poderes mediúnicos. Não, ele não tinha.
Algumas pessoas que haviam seguido o séquito até a praça, estranhando tal movimento, ficaram horrorizadas ao ver tamanha crueldade e agressividade quando o grupo, já arrastando os dois pelas ruas, espancava-os violentamente. Ninguém teve coragem de intervir. Rozendo e Manuel não conseguiam pronunciar palavras de socorro e tão pouco acreditavam que surtiriam algum efeito no momento. Tudo o que fizeram foi esperar pela morte.
Quando se deram conta do acontecido, já estavam mortos e completamente desfigurados por causa do linchamento, estendidos no local onde hoje se encontra o chafariz da praça.
Nessa hora o céu se escurece e não se escuta mais o relincho dos cavalos, nem o som dos pássaros, nem o ranger das botinas, nem nada. O silêncio é total.
Até aqui tudo bem. Só que nesse ponto nossa história se divide em dois desfechos diferentes.
Primeiro: Após o escurecer do dia, atrasadamente o padre Antônio Cezarino sai de dentro da igreja e, cortando o silêncio que imperava na praça, solta os mais altos gritos que seu pulmão o permitia tentando em vão fazer com que parassem com a barbaridade. De repente, não havia mais ninguém lá, só o padre e os dois corpos que jaziam. Não se sabe como, mas após um curto silêncio os sinos da igreja começam a tocar sozinhos e uma lágrima a escorrer pela bochecha do pároco que, pra quem quisesse ouvir, invoca uma praga para a cidade.
“A partir daquele dia, não haveria mais progresso em Araraquara por cem (ou mil?) anos e a Igreja Matriz de São Bento nunca mais teria paz, pois uma serpente – ainda um pequeno verminho que acabara de nascer ali – se tornaria uma gigantesca anaconda e que destruiria a igreja e toda a cidade se um dia a catedral for terminada”.
Versão dois: Quem rogou tal praga não foi o padre e sim a mãe de Rozendo que apareceu logo após a chacina e teria gritado as palavras malditas, enquanto segurava o corpo inerte do filho. Ponto.
Os linchadores foram absolvidos em julgamento em Américo Brasiliense.
Somando-se a isso mais de um século de histórias e crendice popular, deu no que deu. Desde que, em reunião de pauta para O Caricato nº2, nosso grupo decidiu por escolher esse tema e eu fiquei encarregado de destrinchá-lo, já ouvi pelo menos (sem exagero) umas quinze versões para a lenda da serpente e creio que ouvi pouco. Na verdade, o que ouvi não foram versões sobre os fatos narrados e romanceados acima e sim sobre a localidade, o tamanho e, inclusive, sobre a espécie do monstro. Muitos dizem que não é uma serpente e sim um dragão que habita o subterrâneo da catedral. Bom, aí foi um pouquinho do que escutei e pesquisei por aí. Acredite, se for capaz.
Texto de Lucas Lima
Fonte: http://www.ocaricato.com.br/
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